24 de novembro de 2010

Observo

Vou no autocarro imersa nos meus próprios pensamentos e alheia a qualquer movimento que me rodeie.


Subitamente, sem que lhe dê grande importância de início, um casal (marido e mulher, suponho) entram. A mulher segue pelo corredor sorridente, irradiando boa-disposição. Gosto de pensar que antes de entrarem, o bebé que, adiante o homem carrega nos braços, os fez sorrir com o seu ar serenamente repousado. Assim como assim, o homem senta-se à minha frente e, como carrega o filho e precisa de espaço duplo para ambos, a sua mulher senta-se no lugar em frente, de costas. Os (sor)risos de ambos dão lugar ao silêncio e agora concentram-se nos seus pensamentos.


Se a mulher não posso adivinhar, o homem debate-se com pouca eficácia, tentando descobrir em qual dos dois (esposa ou filho) há-de fixar o olhar e a atenção. Sem dizerem uma palavra conseguem captar a totalidade da sua atenção. Ou melhor, partilhá-la entre si.


O homem escolhe então o filho, por momentos, que contempla e aconchega. Ajeita as suas roupinhas e segura-o com firmeza contra a os balanços do transporte - nada pode tirar-lhe aquele momento solene. Agora que nada pode atingir o seu filho (sendo pai achará que, guardando-o para sempre assim, nunca se magoará), desliza a visão para a sua mulher de costas para si no banco da frente. Inclina ligeiramente a cabeça para o lado esquerdo, procurando alguma lógica para o cabelo dela estar particularmente bonito neste entardecer em que já nem o sol o ilumina. Será possível que tanto tempo passado, só agora, numa ocasião desprovida de planeamento (ou não fosse a chuva igualmente imprevisível).  Assim corre o seu pensamento...

Mas agora contém-se e já não pensa em nada. Já fora momento de questões e desculpas mas não mais. Pouco importa porque não reparou antes. Importa admirar o seu cabelo meio liso, meio ondulado, apreender cada pitada de dourado que desponta de um castanho já claro como se soizinhos minúsculos se distinguissem do céu.


Ui, que solavanco! Mas nada demais, a criança ainda está segura, confere. Olha pela janela para retomar o seu raciocínio e prossegue na análise mental atenta e cuidada.


Como é que aquela mulher, que há tantos anos lealmente o acompanha, possa manter tanta sedução e beleza, até de costas!, que agora descobre uma face para admirar a vista que, já ou não, vira antes? Como tinha quebrado a si mesmo a promessa de lhe contar a sua beleza todos os dias?


Aproximo-me do meu destino. Saio. Reflicto:
Era bom que tudo o que eu imaginasse fosse real...

Cisne.

3 comentários:

E. disse...

Está lindo :) ja pensaste em escrever um livro? :D

Cisne disse...

Oh... Não te deixes impressionar por pequenitos momentos de inspiração. Gosto muito de observar; o resto do tempo só digo parvoíces sem sentido. :P
Quem sabe um dia mais tarde?


Cisne.

Sandra disse...

Parabéns pelo blog...

Adoro o que esceves e como escreves... Faz-me pensar nas coisas e na vida...

Beijinhos

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