23 de maio de 2014

Ao que leva ouvir catalão durante duas horas seguidas...


Chegou a uma altura em que acho que já não tenho mais nada para dizer. Este blog parece um poço de queixumes. Ou é o P. ou são saudades, ou são lesões, ou é cansaço, ou são os meus colegas de casa... Opa, mas será que eu deixei de ter alguma coisa de bom para partilhar com o mundo? E na realidade será que foi por isso que desactivei o facebook? Porque tudo me parecia demasiado falso, contraditório ao que eu sentia?

Não. Não é verdade. Tenho coisas boas para partilhar. Umas que são muito boas e outras que são princípios de qualquer coisa que se pode a vir tornar em algo espectacular. Doi início hoje a uma desta coisas, vale? :)

Estava a ver uma peça de teatro de duas horas em catalão, quando numa das minhas distrações abstrações reflexivas (acerca do que estava a ver e não entendia, claro está) me vem a resposta a uma pergunta que me faço desde que cheguei aqui.
(Aparte: Quando se começou a aproximar a data de vir para Barcelona decidi que precisava de vir com objectivos muito bem fixados e que teria de fazer o meu melhor para os cumprir.) Um deles foi descobrir como fazer uma peça de dança contemporânea performática agradável ao "público leigo" no que toca a dança. Assim, por meses fiquei-me com várias perguntas sem resposta. Quase chegava lá...mas não chegava.

- O que é que falta para ser agradável?
- O que torna uma peça agradável?
- É necessário que haja uma narrativa?
- É necessário que haja uma explicação/sentido muito concreto?
- Como fazer o público entendender uma ideia abstracta?

E talvez algumas más... Rodeava e rodeava o assunto e ainda hoje não o tenho tudo percebido. Mas percebi qualquer coisa mais com esta peça de teatro. Como? Tão simples. É que eu estava a ver uma peça de teatro em que não percebia nada de nada (catalão para mim é chinês, lá percebo uma palavra ou duas em cem) e mesmo assim adorei! Saí de lá extasiada e a perceber o sentido, o fio condutor, as reações das personagens. Então numa graaaande distração abstração reflexiva, recoloquei-me novas perguntas:

- Como é que eu entendo a cena? E a peça?
- Foi apenas porque me foi dada alguma informação à priori ou não?
- E qual a informação estritamente necessária?
- E como é possível que não entenda o que estão a dizer mas entenda? O que estão os actores a fazer com o corpo (já que com as palavras não é por certo) que um bailarino não consiga?

Sim, para vocês são só mais perguntas sem resposta. Mas para mim é um grande avanço e talvez eu esteja prestes a chegar a algum lado, não sei. Mas estou segura de que não é tão cedo que desisto da ideia de que a dança deveria chegar a todos e não sou "aos de dança". As pessoas que não dançam não são burras. Também entendem ideias abstractas. A culpa não é delas. É nossa. Que não lhes damos suficiente para entenderem. Não lhes damos quase nada.

Analisei tudo o que vi nesta noite e vi tanto! É incrível. Eu percebia o que eles diziam e nem era com as palavras e nem era com a informação que já me tinham dado. Se eu não entendesse nada de nada teria passado duas horas terríveis (e agora finalmente percebo a pobre da minha família e o que querem dizer com "tu para mim és sempre linda mas a peça, filha... desculpa não percebi nada" e como ficam tristes quando eu respondo "mas não é para perceber é para interpretar"). Mas o quê?? Interpretar o quê?? Até os sonetos de Camões tinham lá letras que formavam palavras e palavras que formavam versos e por aí adiante! E (como diriam nuestros hermanos) de puta madre, como eram difíceis de interpretar a maior parte das vezes!!

A questão é essa. É que não estamos, enquanto coreógrafos, a dar informação suficiente para que se interprete. A minha visão agora está em:

- Não é necessária uma narrativa
- Não, não é necessária uma ideia concreta
- Não, não é necessária uma estrutura exacta
- Mas sim, há que haver mais base.

Mais que por onde pegar o touro pelos cornos, é saber onde pegar e tornar claro para o público que não se vai sentar para ver uma obra de arte. Mas sim que se vai sentar para reflectir sobre algo ou fazer parte de algo. E aqui mais perguntas.

- Como?
- Como chegamos à mente do público?
- Melhor: como fazemos o público chegar até nós?

Porque ele pode! Agora sei que pode! Um público que não percebe de dança, sim, que percebe de corpos! Ora, vê-os todos os dias! Claro que percebe. Todos percebemos e todos de maneira diferente, todos temos a capacidade de interpretar - tenho cá para mim que é uma reação quase inevitável, até ao observarmos o que quer que seja; mas bom aqui já tenho de ir estudar. Sim, se calhar falta-me ir estudar, ir à procura das minhas respostas.

Estou em busca... Estou em busca.


Cisne

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