26 de agosto de 2017

Despedida

Esta carta foi escrita do coração para os dedos. Sem qualquer filtro, sem qualquer preocupação com o remetente, apenas na tentativa de aliviar o desassossego que a minha alma sentia ontem. Tem todas as coisas que eu não disse, que eu não devia ter dito e possivelmente que não sinto sequer. Estas palavras deixam de fora qualquer raciocínio lógico ou gratidão que em verdade sinto, quer pela experiência, quer pela pessoa. Devem ser completamente egocêntricas, pois também assim me parece que nos sentimos quando sofremos. Depois de a escrever senti-me muito melhor e quero publicá-la para a poder reler um dia mais tarde, com a mente e coração frios e com a distância que nos permite sempre um melhor juízo de valor.


Olá. Não tenho nada para te dizer. Já nem faz sentido dizer seja o que for porque o que aconteceu foi uma completa separação de familiaridade.
Em poucos dias, deixou de importar o que nos uniu e de que forma. E isso magoa muito. Tenho medo da justificação que dás às pessoas acerca da minha ausência. Peço em segredo para que o novo professor não seja meu conhecido e que não seja melhor que eu. Peço para que não se espalhe uma má imagem de mim. Que eu consiga arranjar um bom trabalho outra vez. Se não fosse o colégio a manter alguma conexão com algo que já conheço acredito que estaria em bem pior estado.
Não me sinto forte, não me sinto a pessoa que disseste que eu era. Não me sinto, no fundo, uma má pessoa. Pois acredito que foi esse o meu bilhete de ida: "não quero este tipo de personalidade a trabalhar comigo". E nada acontece por acaso pois foi também apenas a tua distancia e falhas de comunicação que me fizeram desejar sair. Eu só nunca esperei que acontecesse de facto. Na nossa última conversa previ que vergava mas não partia. Estava muito mais preocupada em como é que eu ia lidar com o ambiente com a B. do que contigo.
Tenho a sensação de que não me conheces. E não sei como é que isso aconteceu. Jantámos e almoçámos juntas, convivemos diariamente e na vida uma da outra... E acabamos esta relação comigo a achar que te conheço, que te entendo, que compreendo inclusivamente a tua decisão – só não concordo com ela.
Agora já sei o que é que te quero dizer: Não foram os meus erros que fizeram com que eu fosse despedida. Foi a minha personalidade. Que não é das mais fáceis. Mas é honesta. Pelo menos eu acho que é. E tu duvidaste disso. Felizmente existem cartas pois tem de haver uma maneira de te dizer isto sem dizer: deixaste uma menininha, insegura, bruta, cheia de defeitos MAS a APRENDER, desamparada. E eu só tenho que perceber. Não é o teu trabalho amparar-me. Mas foi a tua escolha quando me deste trabalho com 19 anos, quando percebeste que eu era insegura e não sabia muito bem o que sabia. Para mim foste muito rápida a arranjar alguém que me substituísse. E outra das coisas que mais me custa é essa: ninguém te pode substituir. Ninguém pode substituir a primeira pessoa que te deu a mão. Acho que o que mais custa é isso: é sentir que há tanto amor por uma pessoa que desprezou. Se calhar isto é tudo um exagero mas não deixa de ser o que eu sinto.
Pergunto-me vezes sem conta o que é que eu poderia ter feito melhor ou diferente, sem que ninguém me ensinasse. Vejo e revejo na minha cabeça tudo o que fiz e nunca mas nunca mas nunca fiz nada com má intenção. E outra coisa que custa: não sei como não vês isso!! Não sei como é possível que para ti de repente confiança puf! O que raio te andam a dizer?? Ou estes erros, gaita, são assim tão graves??? Como eu podia saber?? Gaita. Não sabia ter feito melhor. Não sabia mesmo. Levei para casa quinhentas vezes as perguntas, as preocupações, as responsabilidades, as dúvidas. O N. pode confirmar com boa memória cada uma delas! Duvidei quase sempre do que fiz. Do que disse, do que decidi. Do que ouvi. Mas no final das contas temos de escolher. E eu se calhar umas vezes fiz más escolhas. Mas muitas vezes tu também. E a merda é que eu não te culpo delas! E sinto que eu estou a sofrer as consequências. E tu? Não que eu queira vingança mas e tu? Quais são as tuas consequências? Qual é o teu karma?

E agora qual é o passo seguinte para mim? Deixar tudo para trás? Como se nunca tivesse acontecido. Começar do zero, num lugar que não me diz nada, com miúdos desinteressantes, que só dançam porque não têm nada melhor que fazer... Sinto-me a dar aulas na minha terra em plena Lisboa... Penso que mais valia dar lá as aulas e não pagava casa. Talvez até tivesse melhores condições.

Não sei. A nada: não sei. Mas vou seguir não sabendo. Vou seguir descobrindo, desbravando, explorando. E vou ser bem sucedida. Contigo. Com o que me ensinaste. Que eu respeito e honro. E com a esperança de os nossos caminhos se voltem a encontrar – sem mágoa, sem tristeza, sem rancor. Só com a alegria de nos vermos mais velhas, mais sábias, já mulheres diferentes.


Obrigada.
Cisne

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